domingo, 26 de junho de 2011

PILOTO - KETHELLEYN: A LASCADA

“Cococoricó!” – O galo cantou, hoje é o grande dia.

  Me levantei e pisei no chão alagado do meu barraco, moro num barraquinho de sapê em uma favela que fica no interior de Pernambuco, é tão boa a sensação de ter piscina por toda a casa! Assim eu posso economizar a água da caixa e tomar meu banho nadando e me divertindo com meus amigos, os ratinhos que eu amo tanto. Hoje eu nadei loucamente como se não houvesse amanhã, é o dia do meu casamento com o grande amor da minha vida... Roberti! Finalmente vou me casar com o grande amor da minha vida, e ele me ama tanto! Ele se apaixonou por mim a primeira vista, se encantou pelos meus olhos vesgos e pelos meus sensuais cabelos crespos, meus cabelos são tão lindos e perfeitos que quando eu passo na rua todo mundo acha que eu sou modelo de uma marca famosa, eles sempre gritam: “Cabelo de bom brill!”, adoro os meus fãs.

  Terminei de tomar meu banho na minha piscina e fui me arrumar. O guarda-roupa tinha desabado por causa da umidade, meu vestido ficou todo molhado, melhor assim, já vou chegar na igreja arrasando toda molhadinha pro meu nêgo.

  Minha mãe entrou no quarto:

- Cabô o bum briu, vem cá! – Ela cortou uma mecha dos meus lindos cabelos. – Tá cum esse vistido porque, infiliz?
- Vou me casar hoje, mainha! – Respondi.
- E quem é o doido que vai casar cum uma rapariga feia dessa? Só dá doido mermo... Oxe! – Minha mãe tem muita inveja de mim porque ela nunca foi bonita como eu, puxei ao meu pai sabe?

   Passei Neutrox nos meus maravilhosos cabelos e um pouquinho nos meus braços, principalmente nas pintinhas brancas que tenho desde pequena, não tem combinação mais perfeita do que vestido de noiva + pano branco, realça ainda mais a minha beleza. Comecei a me maquear, comecei pelos meus olhos, peguei um pedaço de cauvão que tava boiando e passei nas minhas pálpebras, depois fui para as bochechas, coloquei um pouquinho de coloral pra ficar com as maçãs bem vermelhinhas igual à Kristi Instuarti. Depois passei meu batom exclusivo, o pirulito derretido que tava guardado desde que entregaram corme e daminhão aqui na rua no ano passado, guardei especialmente pra esse momento. Abri meu porta-jóias e peguei minha jóia mais cara, meu colar de arame que eu mesma fiz.

  Como eu sei que meu noivo adora uma mulher de All Star, eu coloquei meus sapatos Aluno Nos Trinques que ganhei do governo esse ano e me banhei com meu perfume Charisma da AVON.

- Adeus, mamãe! – Me despedi de minha mãe e fui me despedir de meus irmãos, um por um.  – Adeus, Cleybson! Adeus, Maicon! Adeus, Evelin! Adeus, Wandersson! Adeus, Luandson! Adeus, Wantson! Adeus, Foxsson! Adeus, Weybson! Adeus, Elizanderson! Adeus, Breiquison! Adeus, Aleidson! Adeus, Clondison! Adeus, Elditon! Adeus, Diogson! Adeus, meus queridos irmãos!
- Vai pa onde, menina?! – Perguntou minha mãe.
- Vou seguir meu destino, minha mãe... Talvez nunca mais nos veremos! Adeus!
- Vix, graças à Deus! Menos um.

  Saí como uma diva na rua, fui subindo a ladeira com o queixo empinado e sem olhar pra trás. Meus fãs adoraram tanto que jogaram pedras já que não tinham flores. Eu sempre sonhei com esse dia, eu precisava de uma trilha sonora, precisava de uma música pra guardar pra sempre na minha memória e nunca esquecer de onde eu vim, lembrei então da música que escrevi para cantar pro meu amor na nossa lua de mel. Comecei então a descer a ladeira de costas, para não olhar pra trás. Tropecei e saí embolando, todo mundo começou a rir, é tão bom divertir as pessoas, né? Reparei que ralei meu joelho, mas não tem problema, eu sou linda até melada de merda.

  Irmã Cleycianne saiu de sua casa com a bibra na mão e começou a me exorcizar:

- Sai desse corpo que não te pertence! Sai, pomba gira! Sai, satanás!”,

Nessa hora o travesti da rua, Katylene, gritou:

- Satanás?! Cadê?! Você achou o meu cãozinho?!

   Irmã Cley ficou doida nessa hora e começou uma baixaria com a Katy. Respirei fundo e fui andando, seguindo em frente, deixando tudo para trás, nada poderia estragar meu dia, meu grande dia! Abri meus braços e comecei a cantar: 




  Terminei de cantar emocionada, minha última lágrima caiu, todo mundo começou a correr, era bala! Mesmo assim, continuei andando, meu amor não podia esperar tanto, eu não tinha medo de nada quando pensava nele. Senti os pombos me louvando com um cremezinho amarelo que eles sempre jogam na minha cabeça, eles jogaram tanto dessa vez que nem precisei de grinalda.

  Continuei andando, não tinha mais ninguém na rua, até que vi o chefe da boca de fumo da comunidade.

- Oh! Por favor não acabe com minha vida! Como meu amor viverá sem mim?! – Gritei.

  Ele saiu correndo gritando, acho que se emocionou e ficou arrependido por ter pensado em me matar. A igreja estava a alguns metros de mim, comecei a correr desesperada de medo que o ladrão voltasse. Subi a escada de dois degraus da igreja e fui caminhando lentamente em direção ao altar, o padre ouviu meus passos e se virou para me olhar e me admirar.

- AAAH! – Gritou. – Vai de reto, satanás! – Saiu correndo. Acho que viu que algo ruim estava pra acontecer e tentou me ajudar para nada atrapalhar meu lindo casamento com meu amor, daqui a alguns segundos eu serei a Sra. Patunsom.

- Mas peraí, cadê meu noivo?! Cadê ele?! – Não acreditei no que estava vendo, ele havia me abandonado (ou esperado demais e foi embora?), filho da puta! Como ele pôde fazer isso comigo?!

  Saí correndo desesperada para sair da igreja e tropecei em um dos degraus. Eu caí de frente, me levantei com todo ódio do mundo e gritei:

- Você me praga Roberti! Você me pragaaaaaaaaaaaaaaaaah! – Me mijei, essa é mais uma das vantagens de casar molhada.

FIM?